O lado esquerdo da cama permanece intacto. Era o lado que você escolheu. Ficava próximo à janela e então você dizia que, dormindo lá, me protegeria nas noites frias. No fundo eu até sabia que era um ato egoísta, apenas um conforto para a tua claustrofobia. Nem ligava, gostava de me sentir acolhida e do que vinha à seguir: tuas mãos enrolando um cacho do meu cabelo e um doce beijo na testa. Tem razão, a sensação era de proteção.
No teu travesseiro eu também não mexi, a fronha não troquei porque gosto do resquício do perfume masculino que ainda está impregnado lá. Tem essência de sândalo e cedro misturados ao cheiro do teu suor. Cítrico, eu diria.
A mísera esperança também ficará lá, dominando cada metro cúbico do meu apartamento. Está infestado com teu cheiro, tuas roupas sujas jogadas e as limpas penduradas no varal, o cheiro do seu chá de erva-doce e da loção de barbear. Infestou os lençóis que antes enroscavam nossos corpos, o resto da torta de morango que você deixou como sobra na geladeira, os arquivos sobre Revolução Francesa salvos no meu laptop, a escova de dente cor de laranja e o seu sabonete de rosto que ainda estão no banheiro, a mancha de café na toalha de mesa junto com as migalhas de pão com manteiga. Pão do café da manhã. Hoje de manhã.
O lado esquerdo da cama era o lado que você escolheu. Talvez por ser o mais próximo à porta, aquela pela qual você saiu sem grandes explicações. Deixando tudo que era teu por aqui.
Muito além do lado esquerdo da minha cama ocupado por você nesses últimos oito meses. O lado esquerdo do boxe do chuveiro e o lado esquerdo da poltrona na qual nos apertávamos durante um filme no domingo à noite. O lado esquerdo que você ocupava na mesa de jantar e um pedaço do lado esquerdo da minha gaveta. Lado esquerdo da batata da perna que era coberta por três tatuagens e o lado esquerdo do abdômen com uma mancha avermelhada de nascença. O lado esquerdo do teu peito que pulsava mais forte com um beijo na nuca. Sempre o esquerdo e nunca o lado direito. Direito, certo, correto, exato, preciso, evidente, claro. Direito. O teu lado era o esquerdo.
(Autora: Mainá Belli)
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