Se depender da minha sorte, de você não fica nem o pó. Nem a dó. Dó – Ré – Mi. Não ficam as notas musicais que embalaram nossa temporada. Não fica o resto do pouco do quase nada de amor que sobrou – Deus me livre do azar de não jogar os restos fora. Que não fique mais nada, por favor.
O que têm aqui é só o seu moletom importado – e que, à propósito, custou quase o valor total do seu salário. Está aqui e não pretendo devolvê-lo. Vou usá-lo de pano de chão para tentar enxugar o assoalho molhado. Sabe, é que ainda estão aqui algumas das lágrimas que há uns dias, por ti, dos meus olhos escorreram e inundaram meu quarto.
Joguei pela janela – picotadas em mil pedaços – cada uma das cartas, bilhetes e notas que você me escreveu. Voaram contra o vento também os ingressos de shows, cinema e teatro que assistimos juntos e eu, estupidamente, uma vez os guardei. É que não sobrou mais nenhum dos motivos pelos quais eles deveriam ocupar espaço na minha gaveta que – poxa! – já é tão pequena.
Ficou só o moletom importado. O dinheiro daquele mês que você o comprou seria destinado ou para o moletom ou para uma mensalidade da sua faculdade. Sabendo que você ficou com a primeira opção hoje agradeço por você ter me tratado sempre como a segunda – ou terceira? – garota da sua lista. Agradeço, pois agora vejo o quanto seu discernimento para escolhas é claramente deplorável.
Por que na próxima encomenda não pede para te importarem um cérebro desse mesmo lugar em que você comprou esse bendito moletom? Eu sei, é importado de algum lugar do Hemisfério Norte e por isso demora dois meses para aqui chegar. Ainda que demore, um cérebro novo seria benéfico em comparação ao teu que já está meio esgotado. Se não suportar a espera, encomende um do Paraguai.
O moletom cinza eu não devolvo e que fique registrado um pouquinho da minha revolta – ou vingança? Vou entregá-lo ao meu gato ou doá-lo à um mendigo. Na melhor das hipóteses vou usá-lo como pano que tapa a fresta da porta da sala. É que, quando você por ali saiu, de lá chegava um vento danado.
E, se você acha que perdi a última parcela da minha já escassa sanidade, logo corrijo o seu engano. Pode até parecer uma obsessão por um tecido cinza, mal costurado e com um logo estampado, mas é que – dentre tantas outras coisas suas que eu tinha – esse seu moletom importado é o resto. A sobra. É só ele que ficou.
(Autora: Mainá Belli)
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