Essa não é para você. Até poderia, assim como as últimas cinquenta e sete. Todas sobre os seus olhos sonolentos e a sensação da sua voz rouca sussurrando suavemente no meu ouvido. Hoje eu falo sobre ele, aquele que ocupa seu lugar desde que ela começou a ocupar o que era meu. Sério, eu achei que fosse meu. Essa é pra ele e para o sorriso meio bobo que ele faz quando me vê.
Vocês dois se parecem em quase tudo. É claro, procurei entre multidões por alguém que trouxesse o turbilhão de sentimentos que você sempre trouxe. Procurei por alguém que tivesse o seu jeito de andar e semelhanças físicas como o queixo saliente e que comprimisse os lábios – quando tímido – no mais bonito dos sorrisos. Alguém com seu descompromissado desleixo e a mania em deixar a barba por fazer.
Ele se encaixa com tanta perfeição nos pré-requisitos que eu até quase me apaixonei. Quase. É que ele anda com o seu mesmo jeitão despreocupado e com uma das mãos no bolso. Com a outra ele também estala todos os meus dedos antes de analisar o quanto minha mão é pequena se comparada com a dele. Com a sua.
Ele também me abraça enquanto atravessamos – sem obedecer a sinalização – uma rua qualquer do centro da cidade e disfarçadamente me observa com o canto dos olhos. Conversamos sobre nossos planos futuros e bolamos projetos de fugir do caos paulista e morarmos na Cidade Luz. Um dia. Quem sabe.
Você dois usam aquela mesma marca de camisetas com fidelidade e, bem, eu continuo achando uma besteira pagar tão caro numa peça que encolhe na primeira lavagem. Mas enfim. Ele é tão alto quanto – com ele também fico bem mais baixa mesmo que usando minha sandália vermelha de tiras grossas e salto doze. Aquela que você diz que valoriza minhas pernas! Ele concorda, mas diz que nada ofusca o meu sorriso quando estou sem nenhum batom ou maquiagem. É, pode ser xaveco barato ou balela, ainda assim eu me derreto quando ele olha para a minha boca enquanto repete o elogio.
Essa é pra ele, porque ele tem me feito um bem danado! Te juro, ele tem cumprido muito bem o papel do personagem que você abandonou. Personagem principal que antigamente não tinha dublê ou substituto. O papel agora é dele e você foi rebaixado à mero figurante. As audições ficaram abertas e os beijos dele eram tão doces que me ganharam logo no primeiro toque. Confesso! Ainda prefiro os teus que são ácidos e entorpecentes, mas os deles adicionaram o toque de mel que faltava no meu dia-a-dia.
Ele gargalha quando eu conto alguma piada e confundo a ordem cronológica dos acontecimentos ou quando inverto as palavras. Ao invés de ficar bravo ele continua gargalhando quando eu conto empolgada – e sem querer – o final de algum filme que eu achei muito bom. Vejo nos olhos dele o quanto gosta de me ouvir tagarelar – desde bobagens à discutir as notícias importante do jornal do dia. Ele se diverte com as minhas perguntas tão inocentes que parecem feitas por uma criança. Me beija na testa e responde pacientemente à todas elas. Doce, encantadoramente doce.
Essa não é pra você que já nem se importa mais. E está tudo bem, pois essa é pra ele, que já disse umas quatro ou cinco vezes que quer ficar comigo. Comigo e mais ninguém. Fico muda, só sorrio, não consigo responder. É que às vezes é tão rude e indelicado que simplesmente não podemos dizer àquele que nos quer tão bem que – nessa história que sem querer eu criei – ele é só um mero dublê.
(Autora: Mainá Belli)
–
Comente com o Facebook